“Sempre que dou aula de Clínica Médica a estudantes do quarto ano de Medicina, lanço a pergunta: “Quais as causas que mais fazem o vovô ou a vovó terem confusão mental?”
Alguns arriscam: “Tumor na cabeça”.
Eu digo: “Não”.
Outros apostam: “Mal de Alzheimer”.
Respondo, novamente: “Não”. A cada negativa a turma espanta-se. E fica ainda mais boquiaberta quando enumero os três responsáveis mais comuns: diabetes descontrolado; infecção urinária; a família passou um dia inteiro no shopping, enquanto os idosos ficaram em casa. Parece brincadeira, mas não é. Constantemente vovô e vovó, sem sentir sede, deixam de tomar líquidos. Quando falta gente em casa para lembrá-los, desidratam-se com rapidez.
A desidratação tende a ser grave e afeta todo o organismo.
Pode causar confusão mental abrupta, queda de pressão arterial, aumento dos batimentos cardíacos (“batedeira”), angina (dor no peito), coma e até morte. Insisto: não é brincadeira. Ao nascermos, 90% do nosso corpo é constituído de água. Na adolescência, isso cai para 70%. Na fase adulta, para 60%.
Na terceira idade, que começa aos 60 anos, temos pouco mais de 50% de água. Isso faz parte do processo natural de envelhecimento.
Portanto, de saída, os idosos têm menor reserva hídrica. Mas há outro complicador: mesmo desidratados, eles não sentem vontade de tomar água, pois os seus mecanismos de equilíbrio interno não funcionam muito bem.
Explico: nós temos sensores de água em várias partes do organismo. São eles que verificam a adequação do nível. Quando ele cai, aciona-se automaticamente um “alarme”. Pouca água significa menor quantidade de sangue, de oxigênio e de sais minerais em nossas artérias e veias. Por isso, o corpo “pede” água. A informação é passada ao cérebro, a gente sente sede e sai em busca de líquidos. Nos idosos, porém, esses mecanismos são menos eficientes. A detecção de falta de água corporal e a percepção da sede ficam prejudicadas. Alguns, ainda, devido a certas doenças, como a dolorosa artrose, evitam movimentar-se até para ir tomar água. Conclusão: idosos desidratam-se facilmente não apenas porque possuem reserva hídrica menor, mas também porque percebem menos a falta de água em seu corpo. Além disso, para a desidratação ser grave, eles não precisam de grandes perdas, como diarreias, vômitos ou exposição intensa ao sol. Basta o dia estar quente – ou a umidade do ar baixar muito.
Nessas situações, perde-se mais água pela respiração e pelo suor. Se não houver reposição adequada, é desidratação na certa. Mesmo que o idoso seja saudável, fica prejudicado o desempenho das reações químicas e funções de todo o seu organismo. Por isso, aqui vão dois alertas. O primeiro é para vovós e vovôs: tornem voluntário o hábito de beber líquidos. Bebam toda vez que houver uma oportunidade. Por líquido entenda-se água, sucos, chás, água-de-coco. Sopa e frutas ricas em água, como melão, melancia, abacaxi, laranja e tangerina, também funcionam. O importante é, a cada duas horas, botar algum líquido para dentro. Lembrem-se disso! Meu segundo alerta é para os familiares: ofereçam constantemente líquidos aos idosos. Lembrem-lhes de que isso é vital. Ao mesmo tempo, fiquem atentos. Ao perceberem que estão rejeitando líquidos e, de um dia para o outro, ficam confusos, irritadiços, fora do ar, atenção. É quase certo que esses sintomas sejam decorrentes de desidratação. Líquido neles e rápido para um serviço médico”.
Arnaldo Lichtenstein, médico, clínico-geral do Hospital das Clínicas e professor colaborador do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP.
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