No imaginário de todo corredor amador – ou de toda pessoa que imagina o mundo da corrida – jaz ela, a São Silvestre.
Essa prova, que muitos confundem com uma maratona (são 15 km, e não os 42.195 metros), não tem certeza do lugar (minha vó jurava que era em Copacabana!) ou do horário (não é na virada, apesar de ela já ter dançado ao longo do dia e hoje largar às 8 horas da manhã), guarda o símbolo mais precioso do que a corrida tem a oferecer. Mas, calma, caro leitor, vamos conversar um pouco mais antes dessa resposta.
A icônica data do dia 31 de dezembro não resta dúvidas de constar como a última chance de fazer algo acontecer. Muitos são os que se inscrevem no impulso da festa, mas não ficam pra trás os que a tratam como importante prova do calendário.
A superação de um câncer, a sobrevivência de um infarto, a redescoberta após uma separação, a liberdade de um quadro de violência, a vitória da depressão, a virada de carreira, o abandono de um vício, o provar para si mesmo e para os outros de que é capaz. O fato é que todo mundo tem uma história com a São Silvestre – afinal, é preciso uma boa história para correr quinze quilômetros em pleno verão brasileiro no meio das festas. Neste ano, 35.000 histórias se interligam neste ato. Mergulhemos na minha.
Há 9 anos comecei a correr, com 16 anos.
O que se torna uma obsessão na época em que nos desenvolvemos acaba moldando quem somos. A corrida me trouxe confiança, autoestima, controle corporal, habilidades cognitivas e algumas das minhas mais profundas relações. Este ano, sem que eu esperasse, ela saiu de fininho do campo dos hobbies e passou a adentrar o espaço na carreira, me fazendo entender outras possibilidades para além do esporte profissional. Acima de tudo, encontrei um apreço singelo por este lugar do olhar atento para o que a corrida tem a oferecer, e de concretizar tais percepções por meio das palavras. Sei que quando escrevo o que aprendo com o que vivo por este esporte me sinto inteira e completa. Diria que nem tenho muito controle sobre – as palavras escorrem de meus dedos como um cano vazando água, e o máximo que posso fazer é pegar o balde para não transbordar. O único controle está na qualidade das experiências diferentes vividas, e no tempo dado para processá-las. Parte disso ressoa na minha decisão de me mudar de São Paulo com a virada de ano (minha cidade casa pelo mesmo tempo que me tornei corredora). Por isso, achei válido passar a virada fazendo o que mais represente este fim de ciclo: correndo, em plena avenida Paulista, uma prova acima de tudo organizada por um veículo de comunicação.
Mas o que te trago aqui, caro leitor, é a mera retirada da penumbra da privacidade do pensamento dos meus sonhos e planos. Por hora, não passam de palavras e promessas. Mas a São Silvestre nos permite concretizar os sonhos em ação com, literalmente, o primeiro passo. E muitos outros na sequência deste.
A corrida é a força motora que, por meio de gesto simples e natural, permite-nos ousar.
O corpo responde a mente com essa sensação de nada-me-segura que transborda os efeitos para a vida além dela, permitindo-lhe vencer a sua dificuldade, inércia ou limitação. E nada mais poderoso do que 35.000 histórias e intenções se unindo e se cruzando pelo caminho.
Portanto, quaisquer que sejam os seus sonhos e planos, embebede-se deles antes da largada e corra com toda a sua intenção – seja ele relacionado a um tempo ou com razões muito mais profundas. Ao correr, lembre-se que você está cruzando com 34.999 outras histórias e aspirações.
Este é o grande segredo da corrida resguardado pela São Silvestre que fiquei de lhe contar, caro leitor (com direito a nome santo que o defende!): a esperança.
Flora Pfeifer, 26 anos, economista, cientista comportamental (@litisaude). Instagram @florafinamor
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