O pai que eu não tive eu quero ser

Meu nome é Rafael Augustaitiz, sou artista visual, tenho 40 anos de idade, sou pai

solteiro; tenho a guarda de um jovem de 12 anos, chamado Ramon F. Augustaitiz,

cuido dele desde as fraldas, não passei o fardo para terceiros e nunca permiti segundos.

Aprendi muito com o Ramon.

Diversas pessoas já devem ter nos vistos, Pai e Filho correndo pelas as ruas, de vez em quando arrancando alguns elogios, eu acho tão bonitos Pai e filho juntos, eu acho tão bonito vocês correndo juntos,  assim por diante, Rafael é o Pai do ano, e, oposto, suspeitas, Pai sem juízo, indaga, impõe a criança para correr, pequeno Grande Homem, Ramon foi crescendo gradiente, ou seja, Ramon criança nunca foi muito fã de brinquedos, o negócio dele era correr, com 4 anos de idade, começou a ficar sem espaço, e logo notei uma tosse insistente, então me liguei que ele precisava de espaço para correr, levei ele para a pista de atletismo do Jardim Silveira, Barueri, não o recrutaram, matriculavam crianças de 7 anos, insisti diversas vezes, já era da vontade da criança que avistou o universo; ele tinha vontade de correr na pista, um dia pedi o aval para ele matar a vontade, assim foi os seus 500 metros que de longe observávamos, ele buscando e passando uma garota que corria, e sua disciplina, em uma outra tentativa de matrícula, o Professor o aceitou.

Nossa residência fica a 3 km da pista de atletismo, não tínhamos veículo, e curto de dinheiro, íamos e voltávamos caminhando, Ramon passou a ir e a voltar correndo, depois de um tempo, eu comprei uma bicicleta barra forte, para carregá-lo na garupa, nos aventurávamos nos passeios, mas sempre que possível ele descia e ia correndo, eu acompanhando.

A Arte para mim já me dava dor de cabeça, a Arte não é exatamente aquele adorno que combina com o sofá, então eu fui um tanto verdadeiro, radical, subversivo, Acadêmico, Governamental; precisava me redescobrir, me abrir para outras coisas, o esporte salva; estava fazendo fisioterapia no Hospital das Clinicas devido uma fratura no radio, me desliguei do HC e passei a fazer essa fisioterapia em uma academia em minhas proximidades, e me despertou a querer fazer esteira, cárdio, por conta da idade. Corri poucos minutos e passei mal, eu não sabia correr, sempre caminhei bastante, peregrinava, e subia muito morro por morar em morro, e pulava estações de trem na precisão.

Passei a treinar na esteira, e quando o dinheiro encurtou, sai da academia e passei a correr na rua.

Ficava na arquibancada vendo o Ramon treinar, e via uns atletas de rendimento, fundo, um dia me candidatei a ser aluno, me recrutaram, passei a treinar.

Uma vez eu não aguentei fazer o tiro, escutei, tem que aprender com o Ramon, eu treinava para ter uma boa performance.

Eu e o Ramon passamos a fazer uns trotes juntos, um sujeito de 1,82 de altura e uma criança de 4 anos.

Escutamos muito de geração falar da corrida da São Silveira, sendo em nosso quintal, 8 km de percurso, de início era místico, surreal.

Ramon já tinha uma bagagem na corrida, devido essas idas e voltas para a pista, então dias alternados e compassados, desbravamos e começamos a fazer o balão na São Silveira.

A pista de Atletismo foi demolida, passei a treinar na rua, colaborei voluntario com uma assessoria que estava iniciando, e o Ramon veio de penetra, eu treinava mais era leigo, não sabia o que era “pace”, corria sem relógio, o pessoal tinha que gritar dizendo que acabou, não sabia o quanto era uma maratona, uma meia maratona, ouvíamos o pessoal conversando.

Um dia o Ramon chegou para mim com seriedade e falou: Pai, eu quero correr 21 km, nessa época ele já estava com 8 anos, já treinava há 4 anos; pensei comigo, eu acho que ele corre, ele já treina na casa dos 10 km. Toda noite na hora de dormir ele foi alimentando, fantasiando, e eu num paradoxo. Em um dia determinado resolvi atender o pedido dele e acompanhá-lo, chamei um amigo que tinha relógio para pegar a quilometragem, fomos juntos regrado até os 19 km, falei para o Ramon: estamos no 19 km Ramon, se querer pode liderar, então ele deu um tiro de felicidade, que eu não peguei e nosso amigo que estava com o relógio ficou descadeirado uns dias tentando acompanhá-lo, 1h49 foi o tempo que o sujeito que chegou atrasado registrou.

Depois deste dia Ramon nunca mais foi o mesmo, uma vez que a cabeça se abre ela nunca mais se fecha, acho que foi o Einstein que falou isto. Ramon começou a costurar todas as ruas e, treinava tiro com os adultos, até em época de inverno em dia de chuva, quando se invocava, arrancava a camisa tipo Bruce-Lee:  Rafa, seu filho vai ficar doente, vai nada, ele nasceu no inverno.

Ramon ficou conhecido na circunferência entre as cidades vizinhas, algumas pessoas o apoiaram e fizeram uma vaquinha on-line para presenteá-lo com um relógio, outra parcela começou a persegui-lo, não apoiava, criticava, criticavam muito, levei ele no médico, ele saudável, perguntou: você gosta de correr? Respondeu: Sim, então.. Seja feliz.

Foi expulso de assessoria porque corria muito, ganhou o relógio e seu brinquedo era o GPS, a quilometragem e o pace.

Pai, vamos fazer 42 km? Partimos do Estádio arena de Barueri, quando cheguei nas proximidades da USP na Cidade Universitária, pensei, desesperado, o que eu estou fazendo aqui com esta criança, daqui a pouco vai dar overtraining e ele vai ficar estirado no chão, na grama, e eu não aguentava mais, não dá, parei nos 25 km e ele ficou bravo, não queria que eu parasse, não levei máscara para prevenção de COVID que era obrigatório para usar transporte público, íamos voltar de trem, fui garimpar a máscara, e ele, querendo voltar correndo, a tarde falou por mensagem de áudio WhatsApp para um amigo Chefe da GCM, a próxima vez eu não faço os 42 KM, faço logo 50 Km, e foi brincar.

Ele tem a matemática, geografia, tempo, espaço, onde eu vou tenho que levá-lo, sempre estamos juntos, um cara legal, alfabetizei-o cedo, boas notas na escola, dinâmico, inteligente, meu melhor amigo. Estereótipo achar que só os adultos têm a ensinar as crianças, Ramon sempre foi coerente, e a censura, para ele é padrões de pessoas fracas que seguem, motivo de graça, para uma criança, despretensiosa, que só queria correr.

Hoje o Ramon treina no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa no Ibirapuera!

Wanderlei Oliveira

Técnico fundador do Clube Corpore, em 1982, e do Pão de Açúcar Club, em 1992. Desde 2000 é comentarista e blogueiro.

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Wanderlei Oliveira

 

Iniciou no atletismo em 1965. Já percorreu o equivalente à três voltas ao redor do planeta Terra. Técnico fundador do Clube Corpore, em 1982, e do Pão de Açúcar Club, em 1992. Desde 2000 é comentarista e blogueiro.

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