Antes de inventarem essa coisa moderna de podcasts, existia um equivalente em carne e osso: os contadores de histórias.
Esses seres tinham o dom de trazer narrativas de um jeito ímpar, transportando, pelas palavras, todos ao seu lado para uma realidade à parte, viajando no tempo e espaço, mergulhando nos sentimentos e pensamentos alheios no disfarce da oralidade coloquial. Os contadores de histórias tinham um papel muito importante de construir os sensos identitários de uma tribo, criando suas lendas e mitos, heróis e heroínas, valores e ideais, traçando a concepção coletiva da realidade e os projetos de sonho.
Na minha equipe de atletismo, taí uma coisa que fazíamos muito bem: contar histórias.
Era nosso passatempo preferido: reviver as aventuras conjuntas na mesa de um bar ou na beira da pista. Contávamos para nós mesmos e para as gerações mais novas as anedotas hilárias ou inspiradoras pelas quais tínhamos passado, eternizando momentos na nossa memória coletiva. Toda vez que eu saia com eles, torcia para estar vivendo algo que viraria uma história – mas não era trivial predizer o que se transformaria nisso! Quando eu era recém chegada, lembro de ansiar por ter entrado alguns anos antes na faculdade para ter vivido tudo aquilo; já mais velha, percebi a licença poética de aumentar uns pontos no conto narrado e o papel que aquilo tinha em estreitar nossos laços.
Hoje entrei para uma nova tribo que, claro, não poderia deixar de ter o seu contador de histórias. Um dos maiores contadores de histórias, ouso dizer.
Todos os dias, às 6 horas da manhã, a cada volta do aquecimento sou apresentada a novos personagens e transportada para outras épocas e locais. Já fui para Pomerode, em Santa Catarina, Nova York, Ft Lauderdale, nos Estados Unidos, Buenos Aires, Argentina e Lisboa, Portugal; conheci de Abílio Diniz à Ana Animal; soube de tempos em que (pasmem!) nem existia internet e celular! Por vezes, histórias são repetidas e o botão de próximo é a brincadeira de responder como termina as histórias dos outros. Quem sabe um dia viro personagem e serão também contadas minhas histórias!
E assim, mais uma vez, a corrida vai adotando o seu papel de unir. Correndo juntos, contando juntos, sonhando juntos.
- Flora Finamor Pfeifer tem na corrida uma grande paixão, sobre a qual adora escrever @cronicasdecorrida. Hoje, foca nas provas de 5.000 e 10.000 metros. É economista, mestre em administração pública e governo e Head de Ciências Comportamentais na Liti Saúde.
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