O treinador Wanderlei de Oliveira não subirá no pódio. Mas deveria. Pouca gente fez tanto pela corrida no Brasil como ele. Na Golden Run, WO completará sua 100a meia maratona. Merecia ouro!
Dessa vez, ele vai demorar um bocadinho mais. Passarão os cinco primeiros e receberão a premiação. Os 95 seguintes ganharão uma medalha especial, tradição de uma das melhores meia-maratonas do Brasil. Desde 2011, a Asics organiza o circuito Golden Run pelo Brasil, provas com percurso plano, largadas sem atropelos por pelotão e com início muito cedo, para evitar o calor da manhã. Corridas desenhadas para recordes pessoais. Após os 100 primeiros, um batalhão de atletas esbaforidos chegará para receber a medalha de participação e um kit de hidratação.
Só então, bem depois, com quase três horas de prova, Wanderlei de Oliveira, 62 anos, estará cruzando a linha final. Dessa vez, WO não repetirá suas melhores performances de cronômetro. Não correrá por ele, mas por um velho amigo. Confúcio Cavalcante, empresário de 76 anos, por pouco não se juntou aos quase 700 mil mortos da Covid no Brasil. Antes das vacinas, contraiu o vírus e lutou por três meses no hospital. Um mês intubado, chegou a ser desenganado. Venceu. Voltar a correr uma prova longa foi um desafio e um tributo à vida, tudo ao mesmo tempo. Wanderlei precisava estar junto nessa.
A edição paulista da Golden 2022 terá um duplo significado para o treinador. Ao conferir o caderninho em que anota, desde 1983, provas e quilometragem de treinos, percebeu que essa seria justamente a centésima meia maratona. O número redondo merece comemoração e reflexão. Longevidade e qualidade de vida sempre foram as marcas de um técnico que mistura sua trajetória pessoal à corrida de rua no Brasil. Wanderlei é quase um Forrest Gump do atletismo brasileiro. Pensou em algo importante na corrida? Lá esteva ele, de alguma forma, envolvido. No início dos anos 1980, Wanderlei participou da fundação da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos), a associação que organizou uma série de provas e deu a partida ao “boom” da corrida no país.
Na sequência, virou o treinador de Abílio Diniz. Não só o treinou para suas três maratonas, como botou minhocas na cabeça do empresário. Minhocas do bem. Com Wanderlei, Abílio criou o Clube Pão de Açúcar e o circuito de corridas de revezamento pelo país. As Maratonas de Revezamento Pão de Açúcar injetaram milhares de novos atletas no esporte. Bem organizadas e divertidas, as provas agitavam o ambiente de trabalho. Sempre faltava um ou dois para completar as equipes de oito atletas nas equipes. “Poxa, Alencar, só falta um, só 5 km, você consegue”. Os Alencares da vida topavam a contragosto a roubada, viam o ambiente festivo e já queriam saber quando seria a próxima.
Nos seus 44 anos de trabalho, Vanderlei identificou e treinou centenas de talentos. Mas nenhuma história é mais significativa do que o trabalho com Ana Luiza Garcez, a Animal. Uma menina de rua, que conviveu com heroína, crack, violência e abandono. WO acreditou no seu potencial esportivo e a treinou pra valer. Deu certo. A Animal venceu provas importantes como a meia maratona de Santiago e fez pódio em Miami, Buenos Aires e Nova York.
Aos 62 anos, Wanderlei brinca que se sente como um garoto de 18 anos com experiência de 44. Além do que já fez pelos outros, como treinador, sua própria história de vida é inspiradora. Há muitos anos corre diariamente perto de dez quilômetros. Seu caderninho atesta 135 mil quilômetros rodados, o que daria três voltas inteiras pelo planeta Terra. No domingo, somará mais 21 km nessa comanda, justamente na prova que se tornou sua especialidade. Na primeira meia, no distante 1983, em Itapira, interior de São Paulo, deveria apenas entregar a premiação, já que era diretor da Federação Paulista de Atletismo. Inquieto, resolveu correr também. Achava que sua experiência em provas de 400 metros seria suficiente. Quase derreteu nos canaviais de Itapira e chegou em último. Aprendeu, e melhorou um tanto. Seu melhor tempo veio em 2004 na Meia de Buenos Aires, 1h22min, resultado proporcionalmente bem melhor do que seus recordes em 10 km (38min45) e Maratona (3h07min). Mas domingo não é pra tempo. É corrida sem relógio, sem pressa, para celebrar mesmo a amizade e a vida.
Por Sérgio Xavier Filho
É jornalista, comentarista do sportv. Correu 13 maratonas e escreveu os livros “Operação Portuga” e “Boston, a Mais Longa das Maratonas”
(https://ge.globo.com/eu-atleta/blogs/correria/post/2022/05/13/vai-dar-wo-domingo.ghtml)
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