Onde tudo começou…
Comecei a correr em 1986 sem nem mesmo saber o que eram corridas de rua.
Fui apresentada à São Silvestre, à meia maratona e à maratona sem ter nenhuma noção prévia do que eram essas distâncias. Eu corria intuitivamente, sem questionar distâncias e sempre driblando a tendência a ganhar peso.
Não tínhamos esta variedade de marcas e modelos de tênis, de roupas, de suplementos e toda tecnologia que temos hoje. Não tínhamos redes sociais e nem mesmo registrávamos nossos melhores momentos. Éramos literalmente “roots”. O “sachê de carbo” era pó de guaraná com mel. Camisetas e shorts eram de jersey, único material leve disponível.
Meus treinos eram elaborados pelo meu ex-marido, meu grande incentivador, buscando referência em grandes nomes como Bob Glover e revistas especializadas da época.
Minha primeira maratona foi em 1988, no Rio de Janeiro, no susto, pois decidi de última hora e terminei em 4h42. Em julho de 1989 decidimos procurar um treinador para corrermos “direito” uma maratona.
Encontramos através do amigo Rodolfo Eichler (fundador da CORJA – Corredores do Rio de Janeiro e maratonista com 3h06 nos anos 1980), aquele que é até hoje minha referência em treinamento de corrida, o coach Wanderlei Oliveira. Fizemos 1 mês de polimento e em agosto corri minha segunda maratona no Rio de Janeiro, em 4h12.
Começava aqui uma grande mudança e o real amor pela corrida. Wanderlei sempre foi linha dura e seu mantra predileto sempre foi “não tem milagre, tem que treinar”.
Colocamos o objetivo de correr a maratona de Blumenau em 1990, 1 ano depois. Treinávamos sempre juntos. Depois de um treinamento de base pesado, foram muitas ladeiras na Aldeia da Serra, quando aquilo tudo era apenas estradas de terra sem fim, intervalados na pista, rodagens sagradas pela “grade” do Parque do Ibirapuera, ladeiras da avenida Brigadeiro Luiz Antonio (caminho de casa), e o mantra: “tem que treinar”. Foi assim, com um planejamento direcionado e disciplina que consegui minha melhor marca nos 10 km (44’), na meia maratona (1h36) e na maratona (3h44). Eram tempos maravilhosos, eu tinha então 25 anos, mas estes tempos não davam nem pódio na categoria naquela época.
Nos últimos 31 anos foram muitas corridas, muitos altos e baixos na minha vida, mas cada recomeço veio sempre acompanhado da corrida e sempre com o mesmo treinador.
A corrida como superação
Em 2012, com 30 kg de sobrepeso, decidi que a corrida era, de novo, a única solução pra mim, mas agora eu tinha uma nova companheira de corrida, minha filha Amanda, hoje com 26 anos. Seguimos a mesma sequência de treinamento de 31 anos atrás cada qual no seu ritmo com o mesmo treinador. E novamente o mesmo mantra: “não tem milagre, tem que treinar”.
Eliminei os 30 kg, voltei a fazer meias maratonas, mas em 2015 tive que fazer um “recesso” pois, provavelmente por conta do sobrepeso, desenvolvi 2 hérnias na lombar. Foi 1 ano de fisioterapia, 8 kg de volta, e mais 1 recomeço do zero absoluto em 2016.
Tal mãe, tal filha!
Enquanto isto, Amanda se apaixonou pela corrida, mas mesmo evoluindo nos treinos, ela tinha dificuldade de atingir os objetivos de tempos estabelecidos para provas, além de se sentir sempre cansada. Wanderlei costumava brincar: “você é boa, mas quero ver você repetir os tempos de sua mãe”.
Para ela eram tempos impossíveis a curto prazo e ela dizia: “geeeeente…impossível repetir o tempo da minha mãe na meia maratona”. Parecia um objetivo distante.
Porém, em 2017, acredito que internamente, Amanda passou a querer e este querer fortaleceu seu estado mental na corrida e tudo começou a mudar. Não cabulou mais rodagens, seguiu a risca a planilha de treinos, com ladeiras, rodagens, intervalados e um novo mantra: “vai dormindo”, toda vez que vascilava.
Em junho de 2017 na Corrida dos Bombeiros, uma prova desafiadora, Amanda fez seu melhor tempo nos 10 km (46’) e ganhou o pódio de 1ª lugar na sua categoria.
Em agosto de 2017 ela conseguiu fazer seu melhor tempo na meia maratona de SP em 1h44, também uma prova desafiadora com muitas subidas.
Como eu também precisava de um desafio para este ano, decidimos fazer a meia maratona de Pomerode, em Santa Catarina.
Nova meta estabelecida, Amanda passou a evoluir nos treinos a olhos vistos.
Enquanto isto, eu lutava contra o peso mais uma vez, contra a dor provocada pelas hérnias, contra a insônia causada pela menopausa e a falta de ânimo e energia que não me deixavam evoluir nos treinos. Wanderlei dizia para eu não me cobrar tanto e a corrida foi uma obrigação para mim este ano. Pensei em desistir várias vezes, mas na esperança de ter a endorfina e a alegria que a corrida proporciona de volta, me mantive firme. A equipe foi fundamental para esta determinação.
No começo de setembro, resolvi rever tudo que me incomodava, conversei com meu treinador sobre meu estado físico e emocional e busquei ajuda, correndo literalmente atrás do prejuízo.
Passei pelo médico do esporte Dr. Paulo Puccinelli, nosso companheiro de treinos, e com pequenos ajustes, voltei a dormir normalmente, sem trocar o dia pela noite. Minha energia e minha alegria estavam de volta.
Decidimos ao mesmo tempo, Amanda e eu, procurarmos o nutricionista Marco Jafet, que organizou nossa alimentação e que trouxe uma grande transformação para nós.
Em 1 mês eliminei 6,79% de gordura, a evolução nos treinos ficou visível, o que aumentou minha confiança para completar a prova, porque pela primeira vez eu estava insegura antes de uma meia maratona e não tinha expectativas de como seria.
Amanda também se dedicou, recuperou sua energia, eliminou 7% de gordura corporal, e continuava firme nos treinos… “vai dormindo”… gastando sola dos tênis nas rodagens, longões de final de semana e intervalados… “não tem milagre, tem que treinar”.
Chegou o grande dia: 29 de outubro. A meia maratona de Pomerode.
Eu, sem grandes expectativas, dado o grande período sem evolução, decidi correr relaxada, pois sempre corro muito tensa, preocupada com tempo. Não fiz meu melhor tempo nos 21 km, mas bati meu recorde em felicidade durante uma corrida e meus PRs (personal record) desta nova etapa nos 5 km e nos 10 km, graças a companhia do Milton Pagano, popular Magrão que se predispôs para ser o meu “pacer” na prova.
Amanda, foi decidida a melhorar seu tempo e fechar em 1h40.
Mas tivemos uma grande surpresa!
Amanda não só bateu seus recordes pessoais nos 5 km e nos 10 km mas atingiu seu objetivo “impossível” antes do tempo e fechou a meia maratona de Pomerode em 1h36.
Praticamente com a mesma idade que eu, Amanda teve um desejo, se dedicou, seguiu um planejamento, acreditou e superou a si mesma.
Isto é a corrida. Isto é correr bem. “NÃO TEM MILAGRE, TEM QUE TREINAR”.
Rosana Brambilla, 57 anos, mãe feliz! (@rosanabrambilla)
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