Um novo ciclo

Adriana Ferreira Cipolatti e Caio (@nutri.caiocipolatti)

O ano era 2003, eu tinha 34 anos, uma jornada intensa de trabalho e outra não menos animada em casa, com dois filhos, de 6 e 8 anos.

Atividade física sempre foi um prazer para mim, mas, naquele momento, parecia não haver muito espaço para isso. Até que, um dia, soube que havia se formado um grupo de corrida, com um treinador, no clube do qual éramos sócios. Não entendi nada. Eu achava que correr era apenas…correr. Não precisava de professor. Mas a curiosidade bateu e fui atrás.  

Bastou o primeiro dia para o novo mundo se revelar. Teste de 3.000 metros, ritmo, rodagem, tiro, encontros pontuais às 6 da manhã, provas.

Provas.

Veio a primeira de 10 km, era a corrida em prol da luta contra o câncer de mama, na Avenida 23 de maio. Foi dura, mas na empolgação, completei ligeiramente abaixo do previsto pelo nosso técnico, Wanderlei Oliveira. Àquela altura eu já havia entendido que, sim, para passar – bem – pela linha de chegada, precisa alguém à frente que conheça muito do assunto, e estávamos nas melhores mãos.

Mais algumas provas, treinos ganhando consistência e, em menos de 6 meses, eu tinha uma planilha que dizia “Meia-maratona de Lisboa”. 21 km. Àquela altura, já treinava de 4 a 5 vezes por semana, e aquele improvável tempo livre da mãe consumida pelo dia-a-dia havia surgido. As coisas se encaixavam, os meninos achavam divertido a mãe ganhar medalhas, eu me sentia mais focada no trabalho depois de treinar.

Uma nova energia.

Lisboa foi inesquecível. A mágica – que, segundo nosso técnico, não é mágica, mas foco e treino – se fez. Prova concluída, tempo cravado, seguimos, meu marido – apoiador de todas as horas – e eu, de férias por Portugal e Espanha.  

Já voltei pensando numa maratona, cheia de empolgação. Vieram novas provas, a São Silvestre, outra meia, mas não sei dizer o porquê, aquele tempo que eu havia encontrado para mim foi desaparecendo. Perde-se um treino hoje, outro na semana que vem, quando vemos, acabou. Parei.

Corta para o último domingo, 20-11-2022.

São 08:06 da manhã e as lágrimas se misturam com o suor no meu rosto, ao cruzar a linha de chegada dos 10 km de uma grande prova de rua na cidade de São Paulo. Procuro o Caio, meu filho mais novo, hoje com 25 anos. Logo o encontro, e lá vem mais emoção. O garoto que brincava com as medalhas da mãe tinha fechado sua prova na casa dos 45 minutos, e me aguardava, sorridente, para aquele abraço.

Caio, que hoje é nutricionista, começou a dar suas corridas este ano. Foi alongando os treinos, baixando tempo, pegando gosto, ele que “não tinha paciência” para correr. Achei que era hora de conhecer o Wanderlei.  Marcamos um encontro na pista de atletismo, e, de cara, teste de 3.000 metros. Resolvi fazer também. Pronto. Um novo ciclo parecia se iniciar ali.

Ontem, ao bater o pé no tapete que marcava o final dos 10 km, me reconheci. A mãe e profissional de 34 anos encontrando a mulher de 53, já com outras metas, mas se realizando naquela 1 hora e 06 minutos de prova. Chegando inteira, feliz, agradecida. Tranquila.

Foto – Nino @josecassio.oliveira.3 – Caio – Adriana – WO

Percebi que o que se aprende de verdade na vida, ninguém tira. E que, apesar de ser um esporte individual, a corrida tem um senso de coletividade muito grande. Conhecemos pessoas novas, resgatamos laços antigos, torcemos uns pelos outros, consolidamos vínculos que são para sempre. Como os de uma mãe e de um filho, que compartilham um novo prazer em comum.  

Não sei do que virá pela frente, mas ontem, tudo fez sentido. E isso é muito!

  • Adriana Ferreira Cipolatti, jornalista (Instagram @adrianaf02)

Wanderlei Oliveira

Técnico fundador do Clube Corpore, em 1982, e do Pão de Açúcar Club, em 1992. Desde 2000 é comentarista e blogueiro.

1 comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Wanderlei Oliveira

 

Iniciou no atletismo em 1965. Já percorreu o equivalente à três voltas ao redor do planeta Terra. Técnico fundador do Clube Corpore, em 1982, e do Pão de Açúcar Club, em 1992. Desde 2000 é comentarista e blogueiro.

Categorias

O que andam falando…